DALTON TREVISAN
Solta do pessegueiro a folha seca volteia sem cair no chão - um pardal.
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- Na cama o João vem pra cima de mim. Uma transa lá
entre ele e minha perna, não estou nem aí.
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Excitação maior que despi-la? É livrá-la do óculo. Mais nua de estar sem óculo que sem roupa.
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A besta do Apocalipse, quem diria, reduzida a cobrar o dízimo dos fiéis.
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Era um homem trôpego, calça branca, sem camisa, a faca enterrada no peito e sangrando.
- Ai, o que você fez?
- É segredo meu. Não tem nada com isso.
- Por você esfrego olho de vaga-lume nas unhas...
- Credo, meu bem.
- ... que acendem no escuro o teu nome.
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No gesto mágico, duas vezes nua. João se contém para, de mão posta, não cair de joelho. Quem viu uma mulher nua já viu todas? Aí se engana, cada uma é todinha diferente. Ah, que bom, aprender tudo outra vez.
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A bruxa em trapos, banguela e bêbada, num sorriso para o bicho barbudo de saco nas costas:
- Amor, tem um cigarro aí?
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Bolem na vidraça uns dedos tiritantes de frio - a chuva.
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A chuva sovina conta e reconta suas moedas nas latas do quintal.
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A velhinha meio cega, trêmula e desdentada:
- Assim que ele morra eu começo a viver.
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Microcontos do livro Ah, é?