EDUARDO GALEANO




JANELA SOBRE O CORPO


A igreja diz: O corpo é uma culpa.

A ciência diz: O corpo é uma máquina.

A publicidade diz: O corpo é um negócio.

O corpo diz: Eu sou uma festa.

* * *


JANELA SOBRE O MEDO


A fome come o medo. O medo do silêncio atordoa as ruas.

O medo ameaça:

Se você amar, vai pegar aids.

Se fumar, vai ter câncer.

Se respirar, vai se contaminar.

Se beber, vai ter acidentes.

Se comer, vai ter colesterol.

Se falar, vai perder o emprego.

Se caminhar, vai ter violência.

Se pensar, vai ter angústia.

Se duvidar, vai ter loucura.

Se sentir, vai ter solidão.

* * *


JANELA SOBRE A PALAVRA (VI)


A letra A tem as pernas abertas.

A M é um sobe-desce que vai e vem entre o céu e o inferno.

A O, círculo fechado, asfixia.

A R está evidentemente grávida.

- Todas as letras da palavra AMOR são perigosas - comprova Romy Díaz-Perera. 

Quando as palavras saem da boca, ela as vê desenhadas no ar.


* * *


JANELA SOBRE A HISTÓRIA UNIVERSAL


Houve uma vez que foi a primeira vez, e então o bicho humano ergueu-se e suas quatro patas se transformaram em dois braços e duas pernas, e graças às pernas os braços ficaram livres e puderam fazer casa melhor que a copa da árvore ou a caverna do caminho. E tendo-se erguido, a mulher e o homem descobriram que é possível fazer amor cara a cara e boca a boca, e conheceram a alegria de olhar nos olhos durante o abraço de seus braços e o nó de suas pernas.


* * *


JANELA SOBRE UMA MULHER (III)


Ninguém conseguirá matar aquele tempo, ninguém vai conseguir jamais: nem nós. Digo: enquanto você existir, onde quer que esteja, ou enquanto eu existir. 

Diz o almanaque que aquele tempo, aquele pequeno tempo, já não existe; mas nesta noite meu corpo nu está transpirando você.


* * *


JANELA SOBRE AS PAREDES


Escrito em um muro de Montevidéu: As virgens tem muitos  Natais, mas nenhuma Noite Boa.

Em Buenos Aires: Estou com ome. Já come o f.

Também em Buenos Aires: Ressuscitaremos, ainda que isto nos custe a vida!

Em Quito: Quando tínhamos todas as respostas, mudaram as perguntas.

No México: Salário mínimo para o Presidente, para ver o que ele sente.

Em Lima: Não queremos sobreviver. Queremos viver.

Em Havana: Tudo é dançável.

No Rio de Janeiro: Quem medo de viver não nasce.


* * *


JANELA SOBRE AS DITADURAS INVISÍVEIS


A mão abnegada exerce a ditadura da servidão.

O amigo solícito exerce a ditadura do favor.

A caridade exerce a ditadura a dívida.

A liberdade de mercado permite que você aceite os preços que lhe são impostos.

A liberdade de opinião permite que você escute aqueles que opinam em seu nome.

A liberdade de eleição permite que você escolha o molho com o qual será devorado.


* * *


JANELA SOBRE AS PROIBIÇÕES


Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar.

Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem.

Ou seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca.


* * *


JANELA SOBRE A MEMÓRIA (II)


Um refúgio?

Uma barriga?

Um abrigo onde se esconder quando estiver se afogando na chuva, ou sendo quebrado pelo frio, ou sendo revirado pelo vento?

Temos um esplêndido passado pela frente?

Para os navegantes com desejo de vento, a memória é um porto de partida.


* * *


JANELA SOBRE A CHEGADA


O filho de Pilar e Daniel Wainberg foi batizado à beira-mar. E no batizado, ensinaram a ele o que é sagrado.

Recebeu um caracol.

- Para que aprenda a amar a água.

Abriram a gaiola de um pássaro preso:

- Para que você aprenda a amar o ar.

Deram a ele uma flor de gerânio:

- Para que você aprenda a amar a terra.

E deram também uma garrafinha tampada:

- Não abra nunca, nunca. Para aprender a amar o mistério.


* * *


JANELA SOBRE UM HOMEM DE ÊXITO


Não pode olhar a lua sem calcular a distância.

Não pode olhar uma árvore sem calcular a lenha.

Não pode olhar um quadro sem calcular o prego.

Não pode olhar um cardápio sem calcular as calorias.

Não pode olhar um homem sem calcular a vantagem.

Não pode olhar uma mulher sem calcular o risco.


* * *


JANELA SOBRE A UTOPIA


Ela está no horizonte - diz Fernando Birri. - Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para issso: para caminhar.


....................................................

Extraído do livro As Palavras Andantes


Feira de Santana, BA
marcondes.campos@yahoo.com.br
Desenvolvido por Webnode
Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora